Na advocacia criminal acompanhar prisões em flagrante constitui aquilo que pode ser chamado de “ossos do ofício”, não tem dia para ocorrer, tampouco hora para acabar, não é incomum avançar madrugada adentro. O termo flagrante deriva do latim fragrare , cujo significado é queimar, arder, remete mesmo a algo atual, como a chama, é a prisão do indivíduo quando está a cometer o crime ou logo após.
O ano era 2003, policiais da delegacia antissequestro de Campinas, identificaram e invadiram o local do cativeiro libertando duas vítimas e prendendo quatro sequestradores, cheguei à delegacia para acompanhar um deles no final da tarde, por volta da meia noite, os familiares das vítimas presentearam os policiais com várias pizzas que passaram pelo corredor em que estávamos eu e mais dois advogados, além dos presos em direção à copa da delegacia.
Os competentes e educados policiais nos convidaram para jantar, apesar da fome, e ao contrário dos colegas, agradeci declinando, o preso que eu acompanhava também estava com fome e o convite, evidentemente, não era estendido a ele. Lembrei da lição de Carnelutti “ … a essência, a dificuldade, a nobreza da advocacia é situar-se no último degrau da escada, junto ao acusado…”.
Na mesma época acompanhei o flagrante de um justiceiro, acusado de ter matado dois ladrões na cidade de Hortolândia, confessou pra mim e exerceu seu direito ao silêncio durante o interrogatório, o irritado delegado ignorou meu pedido e determinou que fosse enviado para uma cadeia comum, afinal “... se ele não é matador de bandido, não tem porque ter medo…”.
A cadeia era na da cidade de Sumaré, ao lado do Fórum, só havia um juiz no início da noite daquela sexta-feira, expliquei a situação, respondeu que iria indeferir, que concordava com o delegado, pedi então que o fizesse por escrito, disse-lhe que se o rapaz fosse morto, o peso do cadáver não ficaria sobre meus ombros.
Depois de dez minutos, um oficial de justiça me acompanhou até a cadeia com uma ordem de transferência para uma cela especial na cidade de Santa Bárbara D’Oeste, chegamos juntos com meu cliente, quando os presos o viram começaram a gritar ameaças, certamente ele não sobreviveria àquela noite.